quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Serpa Pinto 15 - 12 - 1968

"Aqui Terras do Fim do Mundo"

Para seus queridos e saudosos pais e irmãos:
Escreve: Mário
Alô pessoal:
Acabou-se as férias, e hoje começa a prevenção até ao dia 15 Janeiro, é nesta altura que os "turras" querem festa e a malta tem de estar a pau.
Afinal, passei as férias em "Luanda", apanhei uma boleia directa e pronto !!! "Luanda", cidade maravilhosa, um tipo chega lá e não apetece mais sair.
Praia, miúdas brasas, que põe a cabeça a andar á roda, farras, enfim, fantástico. Se Deus quiser em Janeiro sou rendido, e acabou a guerra, depois é só colunas a "Nova Lisboa", "Sá da Bandeira", "Moçâmedes", "Lobito", etc, em grande.
Quanta diferença de Angola para essa coisinha chamada Portugal, é pena a guerra, cá vive-se sempre o sol eterno, basta uma camisa, umas calças, e tá a andar. Recebi o cartão, fica para o ano, dizem que "Sá da Bandeira" é bonito.
Hoje mesmo fiz seguir uma carta com um cartão de Boas-Festas para o resto da família: Avós, Tias, Tio e sobrinho. Não o devia ter feito pois há uma data de meses que não escrevem, também não preciso, no entanto é chato que eu me vá esquecendo e se chegar aí não os conheça, será uma situação desagradável para todos. Digo-lhe isto pois mandei uma carta que talvez não gostem.
Aproxima-se o Natal, embora longe estou presente espiritualmente, podem por o meu prato na mesa, encham o meu copo e lembrem-se que estou a milhares de quilómetros também sentado numa mesa. Vou festejar o Natal no hotel cá de "Serpa Pinto" com os amigos, nesses dias não estou no mato, só no dia 5 de Janeiro é que torno a sair.
Junto segue o meu modesto cartão de Boas-Festas com todo o Amor e carinho, desejo a todos "Feliz Natal e Próspero Ano Novo".
A minha encomenda mandada pelo "amigo" Vieira não chegou, já lhe escrevi dois aerogramas mas nem resposta, perguntei-lhe se queria que mandasse os selos para me enviar a encomenda, mas nada. Os aerogramas são recebidos caso contrário eram devolvidos, vou saber a que batalhão pertence o S.P.M. e resolvo o assunto de outra maneira.
Quanto á encomenda não vale a pena, por avião é caro, por barco só para Março é que cá chega.
Para o Pai, Mãe, Zé Manel, Luísa e Henrique, muitos beijos e uma noite de Natal muito feliz
Saudades do:
Mário

Obs: Publicada com um dia de atraso.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Serpa Pinto 08-11-1968

"Aqui Terras do Fim do Mundo"

Para seus queridos e saudosos Pais:
Escreve: Mário

Só agora, depois de ter regressado de mais uma viagem, é que posso responder à vossa carta, pois aqui infelizmente descansa-se oito dias e torna-se a arrancar.
Nada de anormal se passou nesta viagem, a não ser, um tiro disparado de noite e que furou a porta de um carro, mas como entrou de lado não houve feridos.
Agora vamos entrar no mês mau, por causa do natal, no entanto confio na sorte que me tem acompanhado, também não devo fazer mais colunas até ao fim de Dezembro, pois meti o requerimento para as férias e estou à espera que venha deferido.
Quanto à saúde, e embora seja na secção um dos que menos físico têm, tenho-me aguentado, no entanto, hoje tenho febre e moleza no corpo, mas talvez seja de ter vindo toda a noite a conduzir e parte da manhã.
A malta anda toda a dar as ultimas pois o esforço é enorme, os alimentos poucos e o descanso nenhum, o que nos vale é ir em Janeiro para Luanda. Amanhã vou ao médico e são mais umas injecções para nos manter em pé, as "Terras do Fim do Mundo", são para nós o inferno e o dinheiro que se orienta não compensa o que se sofre, pois além disso gasta-se nos oito dias que se está em "Serpa Pinto."
Então a minha mãe que tem ? É grave a doença, ou é coisa sem importância, espero noticias rápidas. O Zé Manuel tem de aproveitar, pois o dinheiro não é para andar aos pontapés, quanto à minha menina por enquanto não há azar. Quanto à encomenda mandada pelo Vieira, ainda nada recebi, vou tornar a escrever para o S.P.M. dele para ver se recebo noticias. A encomenda para mim só mandada pelo S.P.M. pois pelo "Movimento Nacional Feminino" nunca mais cá chega, é perguntar nos correios quanto custa, se for caro não vale a pena mandar.
O Santiago, está agora, no mesmo quartel que eu estou cá em "Serpa Pinto", estava no "Cuito Cuanavale", mas foi transferido para cá, quando ele lá estava e eu passava lá na coluna, ele convidava-me para ir comer à Messe, é bom moço.
Quanto à minha situação ainda não sei que fazer, mas quando acabar a comissão vou à Metrópole, para já são dez meses de comissão e consta-se que o "novo" vai passar para 22 meses, vamos a ver.
O hóquei em patins é sempre a mesma "barraca" enquanto houver certos indivíduos à frente dessa coisa, não dá nada. O basquetebol já soube que perdeu com o B.P.M. por grande diferença, são coisas que acontecem. Eu cá o desporto que pratico é futebol de salão, sou guarda-redes da equipa dos transportes, tanto cá como nos acampamentos onde vamos ninguém nos ganha, temos bons jogadores. Quanto ao hóquei em patins, quando for para "Luanda" em Janeiro talvez vá jogar para o Maianga, pois está cá um senhor a passar férias e falou-me nessa hipótese.
Cá em Angola o hóquei é a modalidade que tem mais cartaz, dá sempre relato e os campos estão sempre cheios. Como atrás digo, dentro de dias devo entrar de férias, portanto preciso que me mande 1.000$ por valor declarado, como tenho só 2.000$, preciso de mais algum, talvez vá até "Sá da Bandeira", ainda não sei.
Vou gravar uma mensagem de natal para a rádio, depois digo-lhe em que dia sairá.
Junto segue uma foto, oferta para o meu pai, e por hoje é tudo, beijos para todos.
Mário.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Serpa Pinto, 18-10-1968

"Aqui Terras do Fim do Mundo"

Para seus queridos e saudosos Pais.
Escreve: Mário
Depois de mais uma viagem, cá recebi mais uma carta á qual só agora respondo, pois cheguei ontem e a carta já cá estava á uns dias.
Quanto á minha encomenda ainda não a recebi, pois na data em que o Vieira chegou já eu estava em "Serpa Pinto", no entanto escrevi para o S.P.M. dele para ma enviar, e agora estou a aguardar.
Espero que o "Zé Carioca" aproveite nos estudos, pois como deve vir para cá, que venha como superior e não como soldado pois esta "guerrazinha" não deve acabar tão depressa.
Estive cá com um amigo dai do Académico, o Santiago que agora é cunhado do Agostinho "pescoço", é furriel de engenharia e estava em "Cuito Cuanavale", encontrei-o numa das viagens, estive a comer com ele na messe dos sargentos, é bom moço, agora está cá em "Serpa Pinto".
Quanto a esta viagem nada a assinalar com respeito a "turras", batemos o record pois só demorámos 14 dias, no dia 27 mais uma corrida, mas devo cá ficar a descansar, entretanto vem Novembro, devo só fazer mais uma viagem. Em Janeiro regresso a "Luanda", e em Janeiro de 70 "Metrópole", não deve haver mais guerra para mim.
Há uma coisa que me tem preocupado, é quando chegar aí que fazer ? Para já quando for para "Luanda" vou ver se tiro a carta de ligeiros e pesados profissional, já podia ter tirado em "Ambrizete", mas mais uma vez fui burro.
Talvez venha para Angola pois cá á imensas possibilidades onde ganhar dinheiro o que não sucede na Metrópole, tudo isto no entanto são até ver hipóteses, no entanto com o aproximar do fim da comissão este é um problema fundamental.
Quanto ao panorama desportivo do Académico, como sempre o hóquei é a ovelha negra, enquanto houver assinaturas na equipa nada feito, já lá vai o tempo em que os miúdos varriam o ringue para treinarem.
Quanto há minha integridade física em terras de Angola, mais uma vez lhes digo que isto não é como apregoam aí, morrem mais soldados estupidamente em acidentes, do que na guerra, pois a miragem da independência é uma ilusão.
Quando a tropa sair daqui é o caos, torna-se um "Congo", nesta guerra, e em florestas tão densas, basta um tipo dar um tiro para mobilizar muita tropa, portanto nada de preocupações, pois além disso pertencer há "Companhia Transportes" não é ser tropa.
Por hoje é tudo, muitos beijos para os meninos e saudades para todos do
Mário

Obs:Por dificuldades no acesso á Internet esta carta não foi publicada a 18-10-1968

domingo, 26 de setembro de 2010

Serpa Pinto, 26-09-1968

"Aqui Terras do Fim do Mundo"

"Terra do Pó" = "Distrito da Fome" = "Capital da Sede"


Para seus Queridos e Saudosos Pais:

Escreve Mário:

Ao chegar da viagem recebi duas cartas e ás quais vou responder.
Pelas ardentes areias das "Terras do Fim do Mundo", andou cá o rapaz durante 19 dias, fomos até "Rivungo", onde tem o rio que faz fronteira com a "Zambia", agora estou em "Serpa Pinto" durante 8 dias a descansar, no próximo dia 3 torno a sair.
A viagem decorreu óptima, tivemos a visita do afamado conjunto angolano "Pop-Turras", no entanto como estes senhores se tinham esquecido das metralhadoras lançaram umas granadas contra um carro civil, felizmente sem consequências.
No entanto como era noite, a malta da escolta estava com sono e não gostaram que este apreciado conjunto viesse tocar a horas impróprias, e toca a receber estes senhores com a velha "bazouca", acompanhada pela velha musica das G-3, que toca a velha mas sempre apreciada musica "Tango dos Barbudos".
Como não obtivessem resposta ainda se lançou fogo de artificio, granadas luminosas, mas sem resultado.
Segundo se depreende, o afamado conjunto "Pop Turras" em face de tão entusiástica recepção dos seus fãs, e temendo pela integridade física dos seus componentes resolveu ir tocar musica para outro lado.
E foi a única novidade que decorreu nesta viagem, e no meio disto tudo, o Mário cá vai andando com calma e descontracção, pois só já faltam 15 meses.
Quanto a alimentação, o Mário matou um "Sengo", espécie de "Bufalo", era uma manada com mais de 200 e houve grandes bifanas para a malta.
É a minha distracção nas colunas, o ajudante conduz o carro, eu sento-me em cima da cabine, no tejadilho, com a minha fisga "Mauser", a atirar à caça.
Então o hóquei, andam tão mal comportados, tanto castigo é demais, quanto ao basquete é aquela máquina.
Recebi a foto do Zé Manuel está giro, vamos a ver se a cabeça não é só para criar piolhos.
Muitos beijos para todos do:
Mário.

sábado, 28 de agosto de 2010

Serpa Pinto 28-08-1968

Meus Pais:

recebi a vossa carta nas "Terras do Fim do Mundo" que é como chamam a "Serpa Pinto".
Depois de 3 dias de viagem, cá estou em "Serpa Pinto", no entanto, estive 7 dias em "Nova Lisboa" à espera de transporte.
Aí é que foram umas férias em beleza, mas o que é bom acaba-se, esta terra onde estou não vale nada, é um autêntico deserto, isto aqui ainda está muito atrasado.
Tenho de aguentar aqui pelo menos até Fevereiro, depois talvez seja rendido, mas ainda não é certo. Quanto às viagens são de 1300 km ida e volta e demoram só 20 e tal dias, o mal é a alimentação ser a ração de combate, que são 2 latas de conserva, 1 pacote de bolachas, uns doces, etc.
Não á casas civis para se comer, está-se no quartel 8 dias e torna-se a marchar, neste tempo que se está no quartel fazemos serviços, etc.
As picadas, é só areia, parece praia, é por isso que se demora tantos dias, enfim como se diz cá na guerra "isto não interessa nem ao menino jesus"
Quanto ás revistas mandei-as como amostra, não percebo como aí não chegaram, no entanto vou ver se arranjo outras e mando-as.
Por hoje é tudo, saudades do Mário.

N.B. o S.P.M. é o 5696

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Luanda 16-08-1968

Meu Pai.

Saúde e felicidades são os meus desejos, que eu óptimo
.
Cá estou em Luanda, cheguei hoje mesmo, deixei o clima quente do Norte e vim para a guerra do arame farpado, no entanto por pouco tempo, parece que não gostam de nós cá em Luanda, ou não têm consideração pelo nosso físico.
Vamos para as "terras do fim do mundo" ou seja para "Serpa Pinto", são aquelas colunas de 20 e tal dias em que os carros não conseguem andar a mais de 1o á hora por o solo ser de areia, aquelas rações de combate, os "turras" a chatear um tipo, enfim vão ser umas férias em beleza.
Claro está que estes senhores que mandam na guerra estavam mesmo à nossa espera do Norte para irmos para Leste, não havia ninguém na companhia, só nós, ou pensavam que éramos heróis, ainda tenho de aguentar as manias destes tipos mais 16 meses.
Ainda não sei quando vamos depois mando um S.P.M. mas creio que muito brevemente, depois que mandem a encomenda para onde estiver.

Por hoje é tudo, saudades do

Mário


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ambrizete, 29-07-1968

Meus queridos Pais:

Espero que ao receberem esta minha carta se encontrem de óptima saúde, que eu como sempre encontro-me em forma.
Hoje mesmo ao chegar de "Bessa Monteiro" tive a desagradável surpresa de encontrar os homens que nos vem substituir, a vossa próxima carta já me deve encontrar em Luanda, a "dolce-vita" em "Ambrizete" está a acabar, vou voltar a encontrar-me com a disciplina militar e segundo nos dizem em Luanda cada vez está pior, nos restantes 17 meses que me faltam vão parecer um século, agora mais do que nunca desejo que a tropa acabe.
As coisas que pedi é melhor o Milheiro entregar em Luanda, no "Grafanil" na Companhia Transportes 2346, dê-lhe o meu nome e numero.
Quanto ao Pinto Nunes é pena ir para a Guiné, a única coisa que se aproveita e mal é Bissau, quanto à especialidade de analista no Ultramar não conta, à um em Bessa que o puseram a contineiro, cá bebe-se tudo não é preciso analisar.
Por hoje é tudo, pois como deve compreender a vontade de escrever de momento é pouca

Recebam saudades do

Mário

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Ambrizete 16-07-1968

Queridos Pais:

Cá recebi a vossa carta que agradeço, por cá tudo decorre normalmente, a saúde é boa e não tenho problemas, estamos quase na colheita do café e já se queima capim.
Agora cá o tempo está frio, estamos na época do cacimbo, já se tem de dormir com manta, à noite faz 18 graus mas com muita humidade.
É pena o Pinto Nunes ir para a Guiné, o único sitio razoável é "Bissau", o resto é pior do que o inferno, à aqui rapazes que tem lá amigos que dizem que lá passam fome.
Eu quando cheguei a Angola, andava um dia a passear em "Luanda" e ao passar no Hospital Militar, vi lá o Alheira no jardim, estava lá internado, depois vim para cá e perdi-me dele e agora está aí.
Quanto ao que pedi, mande-me duas toalhas, se poder mandar pelo Milheiro mande, se não por intermédio da Cruz Vermelha demora 3 a 4 meses mas é de graça.
Quanto á nossa saída de "Ambrizete" ainda não veio cá ninguém para nos render, vamos a ver, cá não ficámos.
Eu sei que tenho direito a licença, mas ainda não me deu para meter o requerimento, pois de férias estou eu sempre, se estivesse numa Companhia Operacional estava bem, assim faço uma coluna a "Bessa" vou à 4ª feira só regressámos na 2ª feira, estamos lá só a comer e a dormir, chego a "Ambrizete" é a mesma coisa, não vale a pena, não pense que a minha vida em Angola tem sido de trabalhos, tenho passado uns maus bocados, mas também descansámos muito.
Quanto ao marisco é aquela máquina, cá uma lagosta custa 30,00 escudos grande, camarão é a 10,00 escudos um prato grande, já comi lagosta de todas as maneiras e feitios, churrasco, bifes de pacassa de palanca, donde gasto o dinheiro é nisto, junto remeto uma das contas que paguei em "Ambrizete" só num bar, nós cá só pagamos ao fim do mês, é assim que se gasta o dinheiro.
Por hoje é tudo, recebam saudades do

Mário

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Ambrizete 07-07-1968

Meus queridos pais:

Saúde e felicidades são os meus desejos.
recebi a vossa carta e lamento de não ter tempo de escrever com a brevidade possível, mas sucede que ás vezes quando chega carta de casa eu não me encontro em Ambrizete e demoro a responder pois só o posso fazer quando chego.
Por cá a coisa está calma, depois do ataque a "Quibala" nada mais se passou, no entanto qualquer dia sucede mais qualquer coisa.
Consta-se que vamos mudar de "Ambrizete" por todo este mês, vamos para "Serpa Pinto" que é uma zona má, são colunas de 600 kms, que demoram 25 dias pois o solo é em areia, paciência tivemos azar, se ficássemos cá os 2 anos era uma tropa em beleza, mas o Quartel-General resolveu que cada companhia ficasse com a sua marca de carros e a nossa ficou com Berliet e a outra com Diamond.
É pena pois já estávamos habituados a esta coisa, um tipo aqui não lhe faltava nada e no outro sítio não sei o que vamos encontrar, já sabemos que as colunas são para Leste, e lá não é para brincadeiras.
Eu tenho imensa pena de sair daqui no entanto o que é preciso é calma e saúde, e felizmente são duas coisas que não me faltam.
Espero que tudo aí decorra normalmente, daqui a 18 meses acabo o contrato que me liga a estes tipos e espero tornar a encontrar tudo na mesma.
Já sinto saudades de casa e do velho Académico, isto aqui só interessava se não houvesse guerra, faz pena ver tanta riqueza ao Deus dará, principalmente café espalhado por estas matas.
Por hoje é tudo, beijos do

Mário

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Ambrizete 17-06-1968

Meus queridos pais:

Cá recebi a vossa carta e se vocês estão surpreendidos por não receber noticias minhas, eu também estava, pois escrevi no mês passado e não recebi resposta, não compreendo como a carta não chegou aí.
Eu cá me encontro de óptima saúde, só não tenho aquela alegria que tinha pois sucedeu uma coisa terrível, um facto que eu nunca julguei presenciar, que me abalou profundamente, vi guerra, rapazes mortos, cortados, despojados das roupas, vi um lago de sangue, ganhei um ódio mortal aos pretos.
Estava em "Bessa Monteiro" no dia 31 de Maio tínhamos chegado no dia anterior, quando se soube que em "Quibala" que fica a 60 kms, tinham atacado uma coluna e que havia muitos mortos, fizeram uma coluna de socorro e como não tinham carros suficientes requisitaram o meu e o do meu colega, quando lá chegámos já tinham levado os mortos para o quartel que fica a 12 kms.
Passámos pelo lugar do ataque e a picada era um lago de sangue, quando lá chegámos soubemos que tinham saído três carros, duas Berliet e um Unimog para "Quimaria" que fica a 25 kms.
Iam 23 rapazes, aquilo para aqueles lados é só morros e no cimo desses morros estavam duas metralhadoras pesadas, enquanto que escondidos no capim estavam os turras mesmo junto à picada, ombro a ombro eram mais de cento e cinquenta, quando entraram na zona de morte dois carros começou o baile, os condutores foram logo para o diabo, os soldados a saltar e a cair no meio deles.
O outro carro ficou para trás e começaram a disparar quando acabaram as munições o carro fugiu para o quartel e no quartel ouviram o combate, pois não vieram ajudá-los pois não tinham carros, quando lá chegaram estavam sete mortos entre eles um furriel. Tentaram incendiar os carros mas não conseguiram em virtude da reacção que houve e os tipos fugiram, catorze feridos, só dois escaparam, mesmo assim mataram nove pretos, mais uma vez os nossos soldados mostraram que são grandes guerreiros, a um soldado para tirarem um anel cortaram-lhe o braço.
Passado duas horas a aviação veio para bombardear a "Mata da Sanga" que fica aqui à beira e tem 80 kms de extensão e nós ficámos em "Quibala", no dia seguinte fizeram uma batida com mais de trezentos homens, andaram cinco dias, mas já nada viram, só cubatas e lavras.
Depois trouxemos os mortos para "Ambrizete" vieram no meu carro e foi a primeira vez que chorei em Angola, mas não foi só a mim que isso sucedeu, no regresso quando passávamos por acampamentos estavam soldados a fazer guarda de honra, e em todas as caras as lágrimas escorriam por rapazes que não conhecíamos.
Em "Ambrizete" foi impressionante, na rua principal soldados de um lado e do outro enquanto o clarim tocava, foi quando não aguentei mais, os meus nervos cederam, os pretos da Sanzala estavam a ver e entre eles um estava a rir como o espectáculo fosse engraçado, vi aquele sangue à minha frente, vi os rapazes cortados, parei o carro e ia dar um tiro no tipo mas quando cheguei ao pé dele ouve uma voz dentro de mim que me disse para não disparar, mas esmurrei-lhe a cara com uma coronhada e o tipo foi preso.
Ainda agora à noites que estou a dormir e acordo com pesadelos, vejo-me deitado no meio de sangue, isto é guerra e não sei quantos anos ainda vai demorar.
É pena o Pinto Nunes ir para a "Guiné", aquilo está péssimo, mas não lhe diga isso, diga-lhe já está melhor, passa-se como o diabo.
Quanto ao Beleza, esse vem passar umas férias, e o Reinaldo onde está ?
Se o vir diga-lhe que o Chico Malvar está cá em Angola.
As revistas já seguiram, não me diga que se extraviaram.
O Avô está melhor ? e os miúdos ?
Por hoje é tudo cumprimentos para a malta do velhinho Académico
Um abraço do seu filho

Mário

Ambrizete, 17-06-1968

Minha querida mãe:

Recebi a sua carta e lamento que não tenha chegado aí a carta que lhes escrevi à mais de 15 dias, mas a culpa não é minha, se ás vezes demoro a escrever é por não me encontrar cá, vou fazer uma coluna e só passado uma semana é que regresso e leio as cartas que cá tenho.
Quanto a mim a minha saúde vai boa, só gostava de ter dinheiro para ir passar um mês pois já tenho saudades disso.
Gostei muito de saber que o Zé Manel foi seleccionado, é preciso passar da 4ª classe.
A Luísa e o Rique estão bem ?
Receba muitos beijos do seu filho

Mário

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Ambrizete 21-05-1968

Meus Pais.

Espero que ao receberem esta minha carta se encontrem de óptima saúde que eu bem.
recebi a vossa carta que agradeço e fiquei mais descansado ao saber que o dinheiro chegou aí, pois já não é a primeira vez que colegas meus mandam e ele fica pelo caminho.
Por cá tudo na mesma e só já faltam 19 meses, no entanto creio que quando chegar a hora de partir vou sentir saudades,passámos cá momentos que não se esquecem e eu gosto desta vida.
Em correio separado seguem 2 revistas que o pai fará o favor de oferecer ao Brito, guarda-redes do Académico.
Por hoje é tudo, saudades do

Mário

Ambrizete 21-05-1968

Minha Mãe.

Cá recebi a sua carta que agradeço e espero que tenha passado um dia de aniversário agradável.
Quanto ao dinheiro que mandei acho que não chega para comprar o que quer, este mês não posso mandar mais pois comprei uma volta em ouro que me custou 600,00 escudos e vou comprar um relógio que já encomendei que custou 1.800,00 escudos, mas para o mês que vem mando-lhe mais.
Só já faltam 19 meses, o tempo passa rapidamente e eu não me encontro mal pelo contrário, tenho tido muita sorte com a tropa, e especialmente cá, dinheiro tenho até demais e tenho gasto muito, mas não tenho passado fome nem sede e isso é que interessa.
Agradeço que peça ao pai para me arranjar 6 pares de meias pretas e 6 pares de cuecas, pois cá esses artigos são caríssimos, as cuecas custam 60,00 escudos e as meias 30,00 escudos.
Mande por intermédio do S.P.M. pois esta minha nova direcção, fomos nós que alugámos uma caixa no correio.
Quanto há roupa ainda não tive tempo de arranjar o pacote, sou muito preguiçoso.
Por hoje é tudo, muitos beijos para o meninos e para si
Saudades do.
Mário

terça-feira, 11 de maio de 2010

Ambrizete 11-05-1968

Meus pais:

Espero que ao receberem esta minha carta se encontrem de óptima saúde, que eu bem.
Ao regressar a "Ambrizete" deparei com 3 cartas de casa e o motivo por não ter respondido quando elas chegaram foi por não ter estado cá, pois fui fazer uma coluna ao "Tomboco" e no regresso e devido ás chuvas que tem caído uma ponte foi abaixo ficando nós com o caminho cortado, tentámos regressar mas à uma subida muito grande e a lama escorrega por lá abaixo sendo impossível a subida.
Como os nossos carros são os que mais força tem, tentei a subida, estive quase no cimo mas as rodas começaram a patinar e o carro começou a deslizar por lá abaixo.
Parecia que tinha patins, não sei como cheguei cá abaixo direito e devido a isto estivemos 21 dias no mato a rações de combate que são as velhas latas de conserva e lá estivemos a maior parte do tempo molhados à espera que arranjassem a ponte.
Respondendo à vossa carta eu acho que é preferível dizer que se esteve doente do que dizer que se está doente, acho que há menos motivos para preocupações.
Quanto aos meus problemas particulares, creio que cometi um erro ao escrever essa carta pois sempre resolvi os meus problemas sem pedir conselhos a ninguém, no entanto desta vez não sei o que me passou pela cabeça, talvez seja do clima ou eu esteja meio maluco.
Por mim não tenho duvidas que modifiquei muito mas não sou só eu, todos os meus colegas estão modificados, não é qualquer um que aguenta andar pelo mato fora à espera que aconteça alguma coisa e nada.
Isto está calmo mas segundo informações que temos em "Moçambique" e na "Guiné" é que é mau, principalmente na "Guiné" onde eles já atacam com morteiros, aqui onde há alguma coisa é no Leste, cá os "turras" tem nova táctica, preferem apanhar a malta vivos pois querem fazer prisioneiros, cá por mim quando vou fazer coluna só meto uma bala na cámara.
Quanto á gente fazer sacrifícios não é querer armar em "fino" mas simplesmente cumprir a nossa obrigação, sou um empregado não luto por ninguém, estou cá porque me pagam ganho pouco mas é por não ter sido corajoso e ir para outro lado, mas amanhã posso estar noutro lado e terei de fazer sacrifícios.
Tenho de pensar que a nossa secção tem 3 carros a andar e são precisos 3 carros todas as semanas, além disso depende de nós a alimentação de 2 companhias, rapazes que estão no meio do mato sem outro divertimento a não ser a companhia um dos outros, enquanto eu tenho praia, cinema e estou numa vila onde posso andar à vontade e como bem, enquanto que eles nem cerveja fresca tem.
É por isso que nós temos de chegar sempre ao destino pois muitos rapazes como eu estão à espera da comida que nós levámos, é preciso que vocês aí pensem nisto, aqui não é a "Metrópole" e eu penso que sou um profissional tenho de cumprir pois para isso me pagam, sabem qual é o nosso lema "CONTRA TUDO E CONTRA TODOS CHEGAREMOS".
Junto seguem 350,00 escudos para dar à mãe, é a minha prenda de anos queria mandar daqui mas não sabia o que comprar.
Muitos beijos para todos do
Mário

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ambrizete 09-04-1968

Meus Pais:


Saúde e felicidade são os meus desejos.
Cá recebi a vossa carta que agradeço, eu estou bem embora aborrecido pois nada de especial acontece, faço colunas e mais colunas e nada, e para quem cá está isto dá cabo dos nervos. Estámos sempre à espera que algo aconteça, viemos para cá mentalizados por essas conversas que se ouvem, minas, emboscadas e sei lá que mais, chega-se cá e nada.
No Leste ainda à alguma coisa, aqui no Norte nada.
No mês passado estive doente, primeiro tive uma infecção nas gengivas falta de legumes, não aguentei as injecções de vitamina C, tomei comprimidos, depois uma preta começou a dar-me sumo de laranjas e a coisa passou.
A seguir apanhei palodismo estava em "Bessa Monteiro", 4 dias com 40 graus de febre, tomei 5 injecções que é o máximo que se pode apanhar e a febre sempre na mesma, por acaso tinha esta miuda em "Bessa" e fico em casa dela, se estava na caserna não sei o que seria, pois em "Bessa" não há hospital, só enfermaria, assim tive sempre uma segunda mãe ao meu lado.
Todos os dias matava um frango, dava-me canja, comprava-me latas de fruta para eu comer e ela talvez deva estar a escrever a esta hora, dei-lhe muita despesa e o mal é ela não querer que eu lhe dê dinheiro.
Lava roupa aos tropas e tem 3 casas que recebe renda, a unica coisa que quer é a minha companhia, isto é um problema que só um homem, ou seja o meu pai me pode aconselhar, não sei o que fazer, não é que seja preciso casar mas estar com a miuda e ao fim de 2 anos deixar talvez com filhos é uma coisa que talvez não consiga fazer, mas eu nunca estive com uma mulher, preciso que me ajude a resolver este problema.
Depois tive de fazer a viagem de regresso pois receberam um radio em "Ambrizete" não havia carros e o meu tinha de tornar a ir, a coluna saiu e eu ao volante nesse dia com 41 graus, deram-me uma injecção para reanimar e mais 4 pelo caminho, despejaram-me 3 garrafões de água pela cabeça e se não fiz nenhuma asneira à miuda o devo.
Senti tentações de ir com o carro por uma ribanceira abaixo, por felicidade ela ia ao meu lado e um enfermeiro, nunca suei tanto na minha vida, durante 15 horas foi uma tortura, a minha cabeça parece que estourava, para abrir os olhos era preciso um esforço só eu e quem fez a viagem sabe o que passei.
Já dentro de "Ambrizete" só sei que parei o carro, depois desmaiei, depois veio uma ambulância e foram buscar outro colega para levar o carro para o quartel. Eu acordei passado 2 dias, disse o médico que acordei no hospital mas que me tinham dado umas injecções para dormir.
Agora já saí do hospital e estou em convalescença, já me sinto vivo mas tive a impressão que morri, mas é como diz o ditado "bicho ruim não morre"
Quanto ao aumentar a pensão não é possivel, 500.00 escudos é o máximo que se pode deixar pois eu queria deixar mais e o 1º sargento disse que não era permitido.
Nunca se sabe quando o Mário torna a vir para "Angola", se conseguir chegar aí ao fim de 2 anos, depois ? Eu gosto disto.
Junto envio a fotografia da mulher a quem devo talvez a vida, é a minha miúda, depois devolva-ma.

Cumprimentos para os rapazes do Académico
Um abraço de saudades do
Mário.


quarta-feira, 31 de março de 2010

Ambrizete 30-03-1968

Meus pais:

Cá recebí a vossa carta e escusam de estar preocupados, pois o Mário é aquela máquina.
Quanto ás viagens que eu faço pelos outros, isso não conta e quem tem medo compra um cão, não é só pelo dinheiro que eu as faço, também as faço por gosto.
A mim só me tocava fazer uma coluna a "Bessa" de mês a mês, no entanto quase todas as semanas faço coluna e se tiver de tombar não será por fazer viagens a mais, se tiver de acontecer alguma coisa é o que tem de ser.
Portanto, escusam de dizer para ter cuidado se nós nunca sabemos o que vai acontecer no mínimo a seguir, o que é que podemos fazer, temos de arriscar.
Conhecí um tipo em "Bessa" que tinha de ir na coluna para "Ambrizete" e até chorou, tinha medo de ser atacado e morrer, mas porquê ?
Não podemos ser assim, houve uma coluna e constou-se em "Bessa" que iam nos atacar, mandaram um rádio para "Ambrizete" a prevenir, eu tinha chegado na coluna que foi e portanto era outro condutor que tinha que vir, pois mal soube veio logo ter comigo para eu fazer a viagem e fiz e não houve azar.
Apanharam outro dia um turra que disse que já tinham nos montado 2 emboscadas e que depois não fizeram fogo, talvez fosse por eu vir na coluna.
Nunca se esqueça das pulseiras que vê nas fotografias, foram dadas pelas minhas amigas pretas, sabe como me chamam em "Ambrizete" "Soba da Sanzala" e "Capitão dos Turras".
Quando vou ao "Tomboco" havia de ver os pretos que vão comigo, os outros condutores pedem as guias de marcha, comigo não à problemas dou boleia a toda a gente, nem que sejam turras, mas também vão pretas.
Dizem que a nossa secção são todos malucos, talvez, eu já não devo ser igual, talvez esteja pior, só gostava que estivessem cá para ver o Mário, sou muito diferente e o meu cabelo já me cobre as orelhas, as muidas gostam muito dele.
Não estou a escrever de "Ambrizete" estou em "Bessa Monteiro" e como não tenho nada para fazer aproveito para escrever.
Por hoje é tudo, beijos para todos do
Mário

domingo, 21 de março de 2010

Ambrizete 20-03-1968

Queridos Pais:
Saude e felicidade, são os meus desejos.
Cá recebí a vossa carta e a fotografia que me mandaram, está boa só é que os meninos ficaram com cara de espantados.
Junto envio 4 fotografias a nº 1 é a bordo do Vera-Cruz; a 2ª é cá nas nossas instalações em Ambrizete à hora do almoço, os que estão sentados à mesa são os colegas que vieram comigo para cá, os outros pertencem à intendência; a nº 3 já é fotografia da guerra tirada em "Baka" numa coluna que fiz para "Bessa"; a 4ª é na mesma coluna e também em "Baka".
Como vê o meu ferrarí é quase um comboio, mas tem uma força dos diabos, passa por todo o lado e como sempre anda com pretos e pretas em cima. É com este bicho que tenho de passar pelos sítios mais impossiveis, ainda agora quando fui tirar o outro da lama trouxe um jipe em cima do meu carro e dois bichos iguais a este a reboque.
Como devem reparar tenho uma ligadura na mão e é por isso que esta fotografia me trás a pior recordação que até ver tenho de Angola, foi na primeira coluna que fiz, fui a "Tomboco" foi também o primeiro serviço que a nossa secção fez, no regresso já quase a chegar vinhamos na brasa o meu carro bateu num buraco deu um salto pelo ar e foi cair fora da picada, vinha carregado de pretos, trazia 7 sentados atrás de mim na chapa, foi tudo cuspido até dois rapazes que iam ao meu lado.
O final de tudo isto foi uma queimadela para mim que fiz no volante ao torcer para o carro não virar. Três pretos para o hospital mas já está tudo bom, felizmente que estou cá se isto acontecesse em "Luanda" estava arranjado, cá nada me aconteceu nem o comandante de cá me disse coisa alguma, só o meu comandante de secção é que disse para ter cuidado. Outro dia em "Bessa" cairam 3 soldados dum carro e o condutor que não teve culpa alguma apanhou 10 dias de prisão e metade do ordenado cortado é por estas coisas que dizem que nós somos bons.
Numa coluna que fiz para "Bessa" já tinha o carro com carga completa e veio ter comigo um major de lá que queria á força que eu metesse um atrelado no carro e eu disse que não o tipo apanhou o atrelado e com os soldados pô-lo lá, ameaçou-me com 10 dias de detenção se eu não me calasse, fui ter com o comandante de cá e ele mandou o tipo tirar o atrelado e que não tinha nada que ameaçar os condutores das Diamons pois eles é que sabiam o que podiam levar. Passado um bocado o tipo veio pedir-me por favor para levar, claro que levei, hoje em "Bessa" é um grande amigo, quando lá vou o tipo cumprimenta-me de mão, até o comandante de lá o Tenente-Coronel que foi na coluna ele e a esposa, pela primeira vez que um posto tão elevado foi de carro pela mata e podia ter ido de avião, e foi na altura em que na "Mata do Elefante" a aviação já assinalou 200 e tal turras e demorámos 18 horas na viagem, quando chegámos a "Bessa" ele disse para os oficiais que admirava os condutores das Diamons pois arriscavam a vida todas as semanas fazendo um esforço enorme para os ir abastecer, e não haja duvida que só nós é que sabemos o que passámos para lá chegar.
Eu ainda agora fiz 3 viagens para lá ir e vir seguidas, pois os meus colegas estavam com medo por andarem turras na mata e na rádio terem anunciado que iam atacar a coluna e eu fui e nada aconteceu, mas uma noite em "Bessa" também ví os tipos a atirar foguetes luminosos mas o que é preciso é calma, quando começar o "tango-dos-barbudos" vê-se como é.
Quanto há prenda do Zé Manel manda-me dizer quanto custa aí uma bicicleta a pedal para o tamanho dele que eu mando daqui o dinheiro, aqui também há mas deve ficar mais cara, também tem de comprar aí a boneca e o comboio, manda-me dizer quanto custa tudo que eu vou enviando, mas a bicicleta só se passar da 4ª classe.
Por hoje é tudo, são estas as poucas novidades que há, beijos para todos do
Mário.
P.S. Por dificuldades no acesso á internet, esta carta não foi publicada no dia 20-03-2010.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Ambrizete 05-03-1968

Meus queridos pais:

Espero que ao receberem esta minha carta se encontrem de óptima saúde, que eu bem.
Cá recebí a vossa carta e peço desculpa de não ser muito rápido a responder, mas umas vezes não tenho tempo, outras vezes não estou cá e também há um bocadinho de preguiça, no entanto prometo que de futuro serei mais rápido nas respostas.
Espero que ja tenham recebido aviso para receber o dinheiro, eu cá recebí no dia 21, pagaram-me desde o dia 4 de Janeiro 919,00 escudos, neste dinheiro não está incluido o prémio de viatura, parece que só recebemos a partir deste mês.
Acho bem que tenham comprado a mobilia, no fim do ano podiam comprar um frigorifico, levantavam o dinheiro que depositam e compravam a pronto, deve custar á volta de 5.000,00 escudos e depois todos os mêses depositavam uma importância como se fosse a prestação.
Se o Zé Manuel passar de classe diga-lhe que lhe mando uma prenda, uma coisa como ele nunca teve.
Eu já estou bem, tive um princípio de anginas, vinha de "Bessa" e começou a chover tive de secar a roupa no corpo, quanto ás gripes aí deve ser o fim do mundo deve fazer um frio dos diabos, cá não, é muito calor mas eu dou-me bem, no entanto estamos na época das chuvas, normalmente só chove de noite mas é chover a valer, de dia é calor mas aqui como estámos á beira mar é mais fresco, mas creio que o clima aqui no norte é melhor.
Amanhã ás 5 horas da manhã vou para "Bessa Monteiro" é mais uma viagem, temos lá 3 carros avariados, um deles está na "Mata da Sanga", Quartel General dos Turras, o carro está enterrado na lama, vamos ver se o meu o consegue arrancar de lá. Esta viagem para "Bessa" é só mato e capim dum lado e do outro, passámos pela Mata dos Elefantes, outro dia tive de atravessar esta mata sózinho, a coluna partiu-se, como em todas as colunas os nossos carros seguem em terceiro lugar, os dois da frente adiantaram-se os de trás atrasaram-se e eu fiquei sózinho com 5 rapazes da escolta, ás tantas depois de uma curva surgiu uma manada de elefantes tive de parar e esperar que eles passassem, foi a primeira vez que vi uma manada tão perto de mim, não é brincadeira nenhuma esta viagem, só lama, buracos, água, um tipo tem de fazer o impossivel com os carros, esses corredores de automóveis da cidade deviam vir para cá
São estas as noticías da guerra, nada de sensacional para contar, fala-se aí muito mas pode acreditar que 99,9 por cento é mentira, na Guiné está muito mau, aqui é ao contrário, ainda agora tivemos um carnaval de categoria, baile com pretas, mas tudo serve, no domingo passado houve um casamento entre dois mulatos mas de categoria, veio gente de Luanda, lá me convidaram e foi a primeira vez que ví um turra , um ex-capitão que agora é tenente do nosso exército estava em "Luala", vai agora para a Metrópole dar instrução para Lamego, é um tipo excepcional é capaz de saltar dum jipe a toda a velocidade, ele deita a correr e não lhe conseguem acertar com uma rajada de metrelhadora, aqui há uns tempos no dia 22 de Janeiro um avião avistou perto de "Bessa" na Mata da Sanga perto de 200 turras, esse tenente saiu de "Bessa"com 3 pelotões e apanharam 40, os pretos tem medo dele pior do que ao diabo.
Esta carta já vai longa, está quase na hora de jantar, cumprimentos para o António Henriques, Vieira dos patins, Pinheiro, Lacerda, Julio, Quitó, Nestor; Pinto, Sr. Roque e familia, Natália, Delfim, Brito, Abilio, Torres, Anibal Puskas, Zé Manel e para toda a malta do Académico.
Desejo o maior sucesso à equipa de andebol, lí cá que ficou em 2º lugar no regional, que o basquet suba de divisão, e que o hóquei ganhe o regional.
Beijos para a Luisa, Zé Carioca, Henrique, para a Mãe.
Um grande abraço para o Pai do seu filho
Mário
N.B. Diga ao Pinto para dar um abraço por mim ao Benjamim e que lhe diga que ando a tratar de vender Angola aos americanos.
Cumprimentos para o Pedro Bastos.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ambrizete, 21-02-1968

Queridos pais:
Espero que ao receberem esta minha carta se encontrem de óptima saude, que eu bem.
Cá recebi a vossa carta e desta vez tenho tempo para responder pois encontro-me de férias pois só na próxima semana dia 30 é que volto a sair para "Bessa", tenho 12 dias de férias, é só comer e praia, não faço mais nada.
Talvez amanhã escreva para França, hoje não pois está a doer-me a cabeça e tenho principio de anginas, desde que cá estou nem o paludismo ainda tive tenho andado bestial, hoje acordei mal.
Lá para Agosto irei a "Luanda" passar uns dias de férias será a primeira vez que vou andar de avião, custa 500,00 escudos ida e volta.
Quanto á carreira desportiva da Académico já sabia pois o Carlos Cardoso tinha-me informado, também é a unica maneira de se saber algoma coisa da Metrópole, só se sabe os resultados do campeonato nacional e ouve-se os relatos.
Também não é preciso mais nada, pois temos cá cinema todos os dias no clube Associação Desportiva de Ambrizete, tem um ringue de cimento igual ao que tinha aí o Académico, e em antes do cinema à futebol de salão num torneio que está a decorrer, todas as noites temos divertimento custa 8,50 escudos a entrada, mas são filmes bons.
Em que ficou ao assunto do esbarramento do seu carro ?
Por hoje é tudo, beijos para a Luisa, Henrique, que tal vão os estudos do Zé Carioca?
Se ele passar de classe levo-lhe 2 ratos brancos que tenho cá brancos, andam sempre comigo.
Saudades para todos do.
Mário

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Ambrizete 12-02-1968

Meus pais:
Espero que ao receberem esta minha carta se encontrem de óptima saude, que eu bem.
Ao chegar de "Bessa Monteiro" encontrei 2 cartas vossas, não deve haver motivos para preocupações pois o Mário é aquela máquina, não à azar, mas devem compreender que nem sempre posso escrever, pois nem sempre estou cá, ainda agora tinha 7 cartas e não tenho tempo para responder a todas pois devo sair depois de amanhã outra vez para "Bessa Monteiro", agora só há uma coluna por semana em virtude de estarmos na época da chuva, vamos à quarta-feira e só regressámos na segunda, carregámos e tornámos a ir, portanto o tempo é pouco, é escusado estarem preocupados pois através destas matas, destas picadas cheias de buracos e de lama, onde nunca se sabe o que irá acontecer no segundo seguinte, onde somos obrigados a segurar os carros que patinam na lama, o Mário e o seu carro lá vão e vem até ver sem novidade.
Com um mês de comissão já fui 4 vezes a "Bessa Monteiro" e uma a "Tomboco" para "Tomboco" não á perigo mas para "Bessa Monteiro" a coisa é feia, no entanto ainda não ouvi o Tango dos Barbudos, que são tiros, nós temos a certeza que eles nos veêm passar, mas vamos andando.
Na ultima coluna puseram um boneco na picada, com um braço ao peito cheio de tintura com um letreiro que dizia "são mesmo maçaricos", mas enquanto os cães ladram a caravana passa, nesta coluna que fiz a Rádio do Congo Belga onde falam os turras, é sempre uma mulher que fala, anunciaram que tinham atacado a coluna e que nos tinham causado 6 baixas, quando chegámos a "Bessa" estava tudo á nossa espera e nós sem saber o que se passava.
Como vêem são estas as noticias da guerra, mas estou como dizem os pretos, os "DIABOS BRANCOS" passam sempre, este é o nome que os pretos da sanzala nos dão, todo o preto conhece os nossos carros, se lhe perguntarem donde são os carros DIAMON que é a marca, dizem logo que são dos transportes, quando nas colunas vem civis pretos, querem só ir no nosso carro, onde os outros ficam nós passámos.
E o Mário cá vai governando a vida a "Bessa" dá 300,00 escudos a "Tomboco" 500,00 escudos, mas também gastámos muito, comemos fora, pois come-se mal nestes sitios, ainda agora ao chegar comi um prato de camarão grande, cá não á do pequeno e 4 cervejas, lá se foram 30,00 escudos, depois de uma viagem, apanhar chuva, pó, chegar tomar um banho mudar de roupa, sabe bem, pois nunca se sabe se na próxima se poderá fazer isto.
Por hoje é tudo beijos para o Zé Manuel, Luisa, Henrique e para todos saudades do Mário que gosta desta vida.
Mário.
N.B. porque é que o Ruben foi embora.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Ambrizete 2-2-1968

Meus queridos pais:

Espero que ao receberem estas minhas linhas se encontrem de saúde, que eu bem.
Foi com alegria que recebí a vossa carta, no entanto escusam de estar preocupados pois isto cá em Angola não é tão mau como aí dizem.
"Ambrizete" não é um acampamento é uma vila, pode-se ir à praia como aí se vai, não é preciso andar armado, nada disto aqui lembra que à guerra, só se torna perigoso quando se vai para o mato, mas nós só fazemos 2 saídas por semana, uma para "Tomboco" e outra a "Bessa Monteiro", para "Tomboco" não á perigo, nunca nenhuma coluna foi atacada, para "Bessa Monteiro" é que é pior, mas nós os condutores especialmente os dos transportes nem sequer pensamos nos tiros, nem vale a pena, primeiro porque a arma que nos dão é uma Mauser que só leva 5 tiros, em segunda porque temos de ir com atenção á picada, que não é nenhuma auto-estrada, é só buracos, lama e mato á volta, só quem anda no carro como nós é que sabe quanto custa, basta dizer que qualquer destas saídas não ultrapassa os 120 kms e o melhor tempo que se pode fazer são 12 horas, mas para fazer este tempo é preciso a viagem correr muito bem. Normalmente demora-se 20 a 40 horas.
Mas o que é preciso é ter calma, voçês aí estão enganados a respeito de Angola aqui não se anda aos tiros, por exemplo "Ambrizete", está-se tão seguro em "Ambrizete" como no Porto, talvez ainda mais, pois não à tanto movimento de carros, já pensaram bem ser preciso ir para a praia armado, estão enganados a respeito disto.
Tive conveniência em trocar pois cá não temos formaturas somos 7 mais um furriel, estamos juntos com os da Intendência, que são os homens dos abastecimentos, portanto comemos do melhor, não temos problemas, ao todo somos 29, não quer dizer que sejámos as unicas tropas à cá mais, o que está é tudo separado, onde estou nada lembra um quartel não há clarim nem dispensas, não à nervos, trabalhámos nos carros, saimos quando à serviço, e pronto é uma vida em familia.
Depois quando vamos fazer transportes, lá nos orientámos, não digo como mas basta deduzir, se não acontecer nada conto levar umas massas boas, no domingo sai para "Tomboco" e ganhei 560.00 escudos, cada qual faz o que pode.
Quanto à vinda do Sr. Milheiro, terei muito prazer em o cumprimentar, mas não preciso de nada, pois não falta massa.
Junto envio duas fotografias tiradas no barco.
Beijinhos para o Riquinho, Zé manuel, Luisa, saudades para todos.

Mário
N.B. Parto hoje para Bessa Monteiro
Mande-me a direcção da avô

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

22-01-1968

Meus queridos Pais:

Espero que ao receberem esta minha carta se encontrem de óptima saude, que eu bem.
Encontro-me à 9 dias em Angola, não encontro palavras que traduzam a impressão que se sente ao desembarcar numa terra tão diferente das da Metrópole.
Atracámos ao porto de Luanda às 7 horas do dia 13, no cais estavam os rapazes da Compª Transportes que viemos render com cartazes a saudar a nossa chegada.
A entrada da baia de Luanda é lindissima, no entanto Luanda não é nenhuma maravilha, o Porto é mais bonito, fomos de comboio para "Grafanil" onde nos distribuiram casernas, no entanto em antes estivemos 30 minutos à espera dum Brigadeiro, que nos veio dar as boas vindas, debaixo dum sol escaldante.
O refeitório é uma porcaria e a comida é fraca, mas temos de aguentar.
Tenho uma coisa a dizer-lhes mas quero que não fiquem preocupados, neste momento já não estou no Grafanil, encontro-me em "Ambrizete", não vim para cá obrigado, vim voluntáriamente, a companhia ficou no "Grafanil", mas era preciso uma secção para vir render os que cá estão, não sei porquê mas ofereci-me, ás vezes fazemos coisas que aí na Metrópole não pensava fazer, mas quando pediram voluntários eu quis vir.
Há uma coisa no entanto que lhes quero dizer isto aqui não é como aí pintam, fiz uma viagem do "Grafanil" para "Ambrizete" numa coluna de camionetas civis, eram 42, são perto de 300 kms, metade é asfalto, o resto é picada, no entanto só perto de cá é que carreguei a arma pois houve uma camioneta que avariou e a coluna partiu-se tendo a nossa camioneta de fazer o resto do caminho sózinha.
Até ver não tenho que dizer disto, "Ambrizete" é como "Pardelhas" só que tem sanzalas a mais, à bares, tem um cinema de resto é uma vila calma, a praia é a 100 metros do quartel, saimos do quartel em fato de banho, vamos para a praia, vimos podemos almoçar em fato de banho, não à formaturas não há nada, só fazemos transportes para "Tomboco" que é a 100 kms e para "Bessa Monteiro" uma vez por semana, os que cá estão não quiseram ser rendidos ao fim dum ano, quiseram ficar cá os 24 meses, é raro atacarem as Companhias Transportes, parecendo que não são os que estão mal vistos só em Luanda, no mato toda a gente conhece os Transportes, aqui a malta leva os pretos de boleia para "Tomboco", até se leva talvez "turras", é por isso que eles não nos atacam, pois é natural que a gente leve mercadoria para eles.
As Compª Transportes têm cada uma um elefante desenhado na porta, à os brancos, amarelos e azuis, eu pertenço aos brancos. Os "turras" conhecem os transportes em virtude do desenho, mas tendo de haver azar, tanto à aqui como noutro lado qualquer.
No "Grafanil" a coisa era muito má a disciplina era rigorosa, bastava um botão desapertado para levarmos 10 dias de tensão, mal cá chegámos um rapaz por não ter feito a continência ao comandante levou 5 dias de tensão.
Tambêm tinha coisas boas, tinhamos carro para nos levar a Luanda e para nos trazer á 1 hora, mas no "Grafanil" andava-se sempre de um lado para o outro com as viaturas e também se vinha para o mato, aqui é melhor, só não temos formaturas, conta muito, nem parece que estamos em guerra.
Viemos 7 para cá com os da Intendência, somos 25 ao todo e a comida para tão pouca gente é boa, não pense que é mentira o que estou a dizer, é a pura verdade, só visto, eu fiquei pasmado só em ver a malta sair da caserna em fato de banho, é como estivessem em férias, todas as semanas fazemos um transporte, os da Intendência carregam os carros, a malta leva a mercadoria torna a vir, e só na próxima semana é que se torne a ir.
Aqui em Angola as Compª Transportes são conhecidas em qualquer lado, são uns autênticos senhores, no "Grafanil" é pior pois durante todos os dias andam sempre dum lado para o outro com os carros.
Para já é só isto que tenho para lhes contar a respeito da minha estadia por Angola, é muito diferente do que se pensa aí, isto está muito bom, é claro que também morre gente, ainda em antes de vir para cá morreu um condutor, mas morreu de acidente, espetou-se com uma camioneta, em face da velocidade com que andam quando se espetam não tem safa, até porque as baixas normalmente nos transportes são sempre por acidente, embora pareça mentira, são uns autênticos loucos.
O meu S.P.M: agora é o 3516.
Por hoje é tudo, beijos para o Henrique, Luisa, Zé Manuel e para vós
Saudades do
Mário
P.S. Amanhã vou numa coluna para "Bessa Monteiro"
Mário Luís G. Bastos
1º cabo 03829567
S.P.M: 3516

sábado, 9 de janeiro de 2010

09-01-1968

Meus queridos Pais:

Espero que ao receberem esta minha carta, se encontrem de saude, que eu bem.
Estou a escrever a bordo do "Vera Cruz", já tenho 6 dias de barco e estou farto de ver só água à minha volta, ainda não enjoei, também desde que saímos de Lisboa o mar tem estado excelente, no dia 7 atravessamos a linha do Equador, às 8.30h da manhã quando subi á coberta fiquei surpreendido com o calor que se fazia, hoje de manhã choveu, depois de repente parou tudo isto com o calor a apertar.
Felizmente estou bem instalado, aos cabos da nossa companhia foram distribuidos camarotes na 3ª classe, que são bastante bons, tem ar condicionado, um lavatório com água, espelho, copos para lavar os dentes, cada camarote leva 4 pessoas, com uma cama em cima e outra em baixo, tem luz à cabeceira, tem outra lampada à beira do lavatório, e outra no tecto, tem 4 armários, enfim não posso dizer mal, comparado com os soldados sou um rei, os pobres dos rapazes estão num salão com umas camas feitas em madeira, uma em cima e outra em baixo, são perto de 60, sem ar condicionado, abafasse lá dentro, é um cheiro horrivel, passo os dias no camarote a ler e a beber cerveja, eu e os outros já bebemos em 5 dias 84 cervejas, temos as garrafas todas no camarote, cada garrafa tem meio litro e custa 9.00 escudos com direito a garrafa, leva-se uma vida santa.
As refeições são servidas na sala de jantar de 3ª classe que é uma categoria, à empregados para nos servir, dão vinho e fruta a todos as refeições, a comida é excelente, temos também uma piscina para tomar banho.
Ninguêm me disse nada por chegar atrasado, cheguei a Lisboa à 1 hora da madrugada, ao outro dia tivemos todo livre, tinhamos de estar no quartel ás 5.30h da manhã do dia 4, chegamos foram-nos distribuidos o lugar no barco, fomos em camionetas até à Rocha Conde Óbidos, fomos pôr as malas ao camarote, tornámos a sair, eu e outro colega fomos almoçar a um café pois não tinha ainda almoçado, dei umas voltas a fazer horas para o desfile, estava cheio de gente, formamos para o desfile, as senhoras do "Movimento N. Feminino" distribuiram 2 maços de cigarros, 1 esferográfica, 10 aerogramas e 1 medalha, a cada um, depois disso desfilámos, e aí é que começou o espectáculo de ver pessoas a desmair, a chorar etc, não sei porque é que dão esse espectáculo, a malta ainda fica pior ao ver aquilo, entrámos para o barco, e era um espectáculo bonito ver aqueles lenços todos a acenar, ao meio dia conforme estava previsto o barco partiu, primeiro saiu o "Niassa" para Moçambique e logo a seguir o nosso, disseram os ultimos adeus e pronto cá vamos nós, à espera que passem 2 anos.
Hoje já dissemos quanto dinheiro queriamos deixar à familia, deixei 500.00 escudos que é o máximo que se pode mandar, para serem pagos no R.I.6, esse dinheiro se for preciso podem gastá-lo e o que sobrar deposite, se for preciso todo gaste pois a mim não faz falta.
No sábado passámos pelas "Ilhas Canárias" via-se as luzes, passaram também 3 barcos por nós de resto é só água, mas é lindo especialmente à noite, gostava de os ter aqui comigo para poderem apreciar esta maravilha, na finalidade a tropa tem coisas boas, talvez nunca tivesse oportunidade de fazer uma viagem destas, nem ir ver coisas que nunca ví, o resto se tiver boa sorte e nada acontecer hei-de chegar são e salvo a casa.
Só quero que não estejam preocupados por minha causa, pois tudo há-de correr bem.
Fiquei muito satisfeito com a despedida, pois a mãe não chorou, quando assim é uma pessoa sente-se satisfeito cá por dentro e anda tranquilo.
Vou terminar pois está-me a doer a cabeça, deve ser do sol que apanhei de manhã na coberta.
Os meninos estão bem ?
Beijos para todos do.
Mário

P.S. Veja por tráz o endereço
Mário Luis Gonçalves Bastos
1º Cabo nº 03829567
S.P.M. 6236