domingo, 21 de março de 2010

Ambrizete 20-03-1968

Queridos Pais:
Saude e felicidade, são os meus desejos.
Cá recebí a vossa carta e a fotografia que me mandaram, está boa só é que os meninos ficaram com cara de espantados.
Junto envio 4 fotografias a nº 1 é a bordo do Vera-Cruz; a 2ª é cá nas nossas instalações em Ambrizete à hora do almoço, os que estão sentados à mesa são os colegas que vieram comigo para cá, os outros pertencem à intendência; a nº 3 já é fotografia da guerra tirada em "Baka" numa coluna que fiz para "Bessa"; a 4ª é na mesma coluna e também em "Baka".
Como vê o meu ferrarí é quase um comboio, mas tem uma força dos diabos, passa por todo o lado e como sempre anda com pretos e pretas em cima. É com este bicho que tenho de passar pelos sítios mais impossiveis, ainda agora quando fui tirar o outro da lama trouxe um jipe em cima do meu carro e dois bichos iguais a este a reboque.
Como devem reparar tenho uma ligadura na mão e é por isso que esta fotografia me trás a pior recordação que até ver tenho de Angola, foi na primeira coluna que fiz, fui a "Tomboco" foi também o primeiro serviço que a nossa secção fez, no regresso já quase a chegar vinhamos na brasa o meu carro bateu num buraco deu um salto pelo ar e foi cair fora da picada, vinha carregado de pretos, trazia 7 sentados atrás de mim na chapa, foi tudo cuspido até dois rapazes que iam ao meu lado.
O final de tudo isto foi uma queimadela para mim que fiz no volante ao torcer para o carro não virar. Três pretos para o hospital mas já está tudo bom, felizmente que estou cá se isto acontecesse em "Luanda" estava arranjado, cá nada me aconteceu nem o comandante de cá me disse coisa alguma, só o meu comandante de secção é que disse para ter cuidado. Outro dia em "Bessa" cairam 3 soldados dum carro e o condutor que não teve culpa alguma apanhou 10 dias de prisão e metade do ordenado cortado é por estas coisas que dizem que nós somos bons.
Numa coluna que fiz para "Bessa" já tinha o carro com carga completa e veio ter comigo um major de lá que queria á força que eu metesse um atrelado no carro e eu disse que não o tipo apanhou o atrelado e com os soldados pô-lo lá, ameaçou-me com 10 dias de detenção se eu não me calasse, fui ter com o comandante de cá e ele mandou o tipo tirar o atrelado e que não tinha nada que ameaçar os condutores das Diamons pois eles é que sabiam o que podiam levar. Passado um bocado o tipo veio pedir-me por favor para levar, claro que levei, hoje em "Bessa" é um grande amigo, quando lá vou o tipo cumprimenta-me de mão, até o comandante de lá o Tenente-Coronel que foi na coluna ele e a esposa, pela primeira vez que um posto tão elevado foi de carro pela mata e podia ter ido de avião, e foi na altura em que na "Mata do Elefante" a aviação já assinalou 200 e tal turras e demorámos 18 horas na viagem, quando chegámos a "Bessa" ele disse para os oficiais que admirava os condutores das Diamons pois arriscavam a vida todas as semanas fazendo um esforço enorme para os ir abastecer, e não haja duvida que só nós é que sabemos o que passámos para lá chegar.
Eu ainda agora fiz 3 viagens para lá ir e vir seguidas, pois os meus colegas estavam com medo por andarem turras na mata e na rádio terem anunciado que iam atacar a coluna e eu fui e nada aconteceu, mas uma noite em "Bessa" também ví os tipos a atirar foguetes luminosos mas o que é preciso é calma, quando começar o "tango-dos-barbudos" vê-se como é.
Quanto há prenda do Zé Manel manda-me dizer quanto custa aí uma bicicleta a pedal para o tamanho dele que eu mando daqui o dinheiro, aqui também há mas deve ficar mais cara, também tem de comprar aí a boneca e o comboio, manda-me dizer quanto custa tudo que eu vou enviando, mas a bicicleta só se passar da 4ª classe.
Por hoje é tudo, são estas as poucas novidades que há, beijos para todos do
Mário.
P.S. Por dificuldades no acesso á internet, esta carta não foi publicada no dia 20-03-2010.

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