quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ambrizete, 29-07-1968

Meus queridos Pais:

Espero que ao receberem esta minha carta se encontrem de óptima saúde, que eu como sempre encontro-me em forma.
Hoje mesmo ao chegar de "Bessa Monteiro" tive a desagradável surpresa de encontrar os homens que nos vem substituir, a vossa próxima carta já me deve encontrar em Luanda, a "dolce-vita" em "Ambrizete" está a acabar, vou voltar a encontrar-me com a disciplina militar e segundo nos dizem em Luanda cada vez está pior, nos restantes 17 meses que me faltam vão parecer um século, agora mais do que nunca desejo que a tropa acabe.
As coisas que pedi é melhor o Milheiro entregar em Luanda, no "Grafanil" na Companhia Transportes 2346, dê-lhe o meu nome e numero.
Quanto ao Pinto Nunes é pena ir para a Guiné, a única coisa que se aproveita e mal é Bissau, quanto à especialidade de analista no Ultramar não conta, à um em Bessa que o puseram a contineiro, cá bebe-se tudo não é preciso analisar.
Por hoje é tudo, pois como deve compreender a vontade de escrever de momento é pouca

Recebam saudades do

Mário

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Ambrizete 16-07-1968

Queridos Pais:

Cá recebi a vossa carta que agradeço, por cá tudo decorre normalmente, a saúde é boa e não tenho problemas, estamos quase na colheita do café e já se queima capim.
Agora cá o tempo está frio, estamos na época do cacimbo, já se tem de dormir com manta, à noite faz 18 graus mas com muita humidade.
É pena o Pinto Nunes ir para a Guiné, o único sitio razoável é "Bissau", o resto é pior do que o inferno, à aqui rapazes que tem lá amigos que dizem que lá passam fome.
Eu quando cheguei a Angola, andava um dia a passear em "Luanda" e ao passar no Hospital Militar, vi lá o Alheira no jardim, estava lá internado, depois vim para cá e perdi-me dele e agora está aí.
Quanto ao que pedi, mande-me duas toalhas, se poder mandar pelo Milheiro mande, se não por intermédio da Cruz Vermelha demora 3 a 4 meses mas é de graça.
Quanto á nossa saída de "Ambrizete" ainda não veio cá ninguém para nos render, vamos a ver, cá não ficámos.
Eu sei que tenho direito a licença, mas ainda não me deu para meter o requerimento, pois de férias estou eu sempre, se estivesse numa Companhia Operacional estava bem, assim faço uma coluna a "Bessa" vou à 4ª feira só regressámos na 2ª feira, estamos lá só a comer e a dormir, chego a "Ambrizete" é a mesma coisa, não vale a pena, não pense que a minha vida em Angola tem sido de trabalhos, tenho passado uns maus bocados, mas também descansámos muito.
Quanto ao marisco é aquela máquina, cá uma lagosta custa 30,00 escudos grande, camarão é a 10,00 escudos um prato grande, já comi lagosta de todas as maneiras e feitios, churrasco, bifes de pacassa de palanca, donde gasto o dinheiro é nisto, junto remeto uma das contas que paguei em "Ambrizete" só num bar, nós cá só pagamos ao fim do mês, é assim que se gasta o dinheiro.
Por hoje é tudo, recebam saudades do

Mário

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Ambrizete 07-07-1968

Meus queridos pais:

Saúde e felicidades são os meus desejos.
recebi a vossa carta e lamento de não ter tempo de escrever com a brevidade possível, mas sucede que ás vezes quando chega carta de casa eu não me encontro em Ambrizete e demoro a responder pois só o posso fazer quando chego.
Por cá a coisa está calma, depois do ataque a "Quibala" nada mais se passou, no entanto qualquer dia sucede mais qualquer coisa.
Consta-se que vamos mudar de "Ambrizete" por todo este mês, vamos para "Serpa Pinto" que é uma zona má, são colunas de 600 kms, que demoram 25 dias pois o solo é em areia, paciência tivemos azar, se ficássemos cá os 2 anos era uma tropa em beleza, mas o Quartel-General resolveu que cada companhia ficasse com a sua marca de carros e a nossa ficou com Berliet e a outra com Diamond.
É pena pois já estávamos habituados a esta coisa, um tipo aqui não lhe faltava nada e no outro sítio não sei o que vamos encontrar, já sabemos que as colunas são para Leste, e lá não é para brincadeiras.
Eu tenho imensa pena de sair daqui no entanto o que é preciso é calma e saúde, e felizmente são duas coisas que não me faltam.
Espero que tudo aí decorra normalmente, daqui a 18 meses acabo o contrato que me liga a estes tipos e espero tornar a encontrar tudo na mesma.
Já sinto saudades de casa e do velho Académico, isto aqui só interessava se não houvesse guerra, faz pena ver tanta riqueza ao Deus dará, principalmente café espalhado por estas matas.
Por hoje é tudo, beijos do

Mário