sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ambrizete 09-04-1968

Meus Pais:


Saúde e felicidade são os meus desejos.
Cá recebi a vossa carta que agradeço, eu estou bem embora aborrecido pois nada de especial acontece, faço colunas e mais colunas e nada, e para quem cá está isto dá cabo dos nervos. Estámos sempre à espera que algo aconteça, viemos para cá mentalizados por essas conversas que se ouvem, minas, emboscadas e sei lá que mais, chega-se cá e nada.
No Leste ainda à alguma coisa, aqui no Norte nada.
No mês passado estive doente, primeiro tive uma infecção nas gengivas falta de legumes, não aguentei as injecções de vitamina C, tomei comprimidos, depois uma preta começou a dar-me sumo de laranjas e a coisa passou.
A seguir apanhei palodismo estava em "Bessa Monteiro", 4 dias com 40 graus de febre, tomei 5 injecções que é o máximo que se pode apanhar e a febre sempre na mesma, por acaso tinha esta miuda em "Bessa" e fico em casa dela, se estava na caserna não sei o que seria, pois em "Bessa" não há hospital, só enfermaria, assim tive sempre uma segunda mãe ao meu lado.
Todos os dias matava um frango, dava-me canja, comprava-me latas de fruta para eu comer e ela talvez deva estar a escrever a esta hora, dei-lhe muita despesa e o mal é ela não querer que eu lhe dê dinheiro.
Lava roupa aos tropas e tem 3 casas que recebe renda, a unica coisa que quer é a minha companhia, isto é um problema que só um homem, ou seja o meu pai me pode aconselhar, não sei o que fazer, não é que seja preciso casar mas estar com a miuda e ao fim de 2 anos deixar talvez com filhos é uma coisa que talvez não consiga fazer, mas eu nunca estive com uma mulher, preciso que me ajude a resolver este problema.
Depois tive de fazer a viagem de regresso pois receberam um radio em "Ambrizete" não havia carros e o meu tinha de tornar a ir, a coluna saiu e eu ao volante nesse dia com 41 graus, deram-me uma injecção para reanimar e mais 4 pelo caminho, despejaram-me 3 garrafões de água pela cabeça e se não fiz nenhuma asneira à miuda o devo.
Senti tentações de ir com o carro por uma ribanceira abaixo, por felicidade ela ia ao meu lado e um enfermeiro, nunca suei tanto na minha vida, durante 15 horas foi uma tortura, a minha cabeça parece que estourava, para abrir os olhos era preciso um esforço só eu e quem fez a viagem sabe o que passei.
Já dentro de "Ambrizete" só sei que parei o carro, depois desmaiei, depois veio uma ambulância e foram buscar outro colega para levar o carro para o quartel. Eu acordei passado 2 dias, disse o médico que acordei no hospital mas que me tinham dado umas injecções para dormir.
Agora já saí do hospital e estou em convalescença, já me sinto vivo mas tive a impressão que morri, mas é como diz o ditado "bicho ruim não morre"
Quanto ao aumentar a pensão não é possivel, 500.00 escudos é o máximo que se pode deixar pois eu queria deixar mais e o 1º sargento disse que não era permitido.
Nunca se sabe quando o Mário torna a vir para "Angola", se conseguir chegar aí ao fim de 2 anos, depois ? Eu gosto disto.
Junto envio a fotografia da mulher a quem devo talvez a vida, é a minha miúda, depois devolva-ma.

Cumprimentos para os rapazes do Académico
Um abraço de saudades do
Mário.