sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

22-01-1968

Meus queridos Pais:

Espero que ao receberem esta minha carta se encontrem de óptima saude, que eu bem.
Encontro-me à 9 dias em Angola, não encontro palavras que traduzam a impressão que se sente ao desembarcar numa terra tão diferente das da Metrópole.
Atracámos ao porto de Luanda às 7 horas do dia 13, no cais estavam os rapazes da Compª Transportes que viemos render com cartazes a saudar a nossa chegada.
A entrada da baia de Luanda é lindissima, no entanto Luanda não é nenhuma maravilha, o Porto é mais bonito, fomos de comboio para "Grafanil" onde nos distribuiram casernas, no entanto em antes estivemos 30 minutos à espera dum Brigadeiro, que nos veio dar as boas vindas, debaixo dum sol escaldante.
O refeitório é uma porcaria e a comida é fraca, mas temos de aguentar.
Tenho uma coisa a dizer-lhes mas quero que não fiquem preocupados, neste momento já não estou no Grafanil, encontro-me em "Ambrizete", não vim para cá obrigado, vim voluntáriamente, a companhia ficou no "Grafanil", mas era preciso uma secção para vir render os que cá estão, não sei porquê mas ofereci-me, ás vezes fazemos coisas que aí na Metrópole não pensava fazer, mas quando pediram voluntários eu quis vir.
Há uma coisa no entanto que lhes quero dizer isto aqui não é como aí pintam, fiz uma viagem do "Grafanil" para "Ambrizete" numa coluna de camionetas civis, eram 42, são perto de 300 kms, metade é asfalto, o resto é picada, no entanto só perto de cá é que carreguei a arma pois houve uma camioneta que avariou e a coluna partiu-se tendo a nossa camioneta de fazer o resto do caminho sózinha.
Até ver não tenho que dizer disto, "Ambrizete" é como "Pardelhas" só que tem sanzalas a mais, à bares, tem um cinema de resto é uma vila calma, a praia é a 100 metros do quartel, saimos do quartel em fato de banho, vamos para a praia, vimos podemos almoçar em fato de banho, não à formaturas não há nada, só fazemos transportes para "Tomboco" que é a 100 kms e para "Bessa Monteiro" uma vez por semana, os que cá estão não quiseram ser rendidos ao fim dum ano, quiseram ficar cá os 24 meses, é raro atacarem as Companhias Transportes, parecendo que não são os que estão mal vistos só em Luanda, no mato toda a gente conhece os Transportes, aqui a malta leva os pretos de boleia para "Tomboco", até se leva talvez "turras", é por isso que eles não nos atacam, pois é natural que a gente leve mercadoria para eles.
As Compª Transportes têm cada uma um elefante desenhado na porta, à os brancos, amarelos e azuis, eu pertenço aos brancos. Os "turras" conhecem os transportes em virtude do desenho, mas tendo de haver azar, tanto à aqui como noutro lado qualquer.
No "Grafanil" a coisa era muito má a disciplina era rigorosa, bastava um botão desapertado para levarmos 10 dias de tensão, mal cá chegámos um rapaz por não ter feito a continência ao comandante levou 5 dias de tensão.
Tambêm tinha coisas boas, tinhamos carro para nos levar a Luanda e para nos trazer á 1 hora, mas no "Grafanil" andava-se sempre de um lado para o outro com as viaturas e também se vinha para o mato, aqui é melhor, só não temos formaturas, conta muito, nem parece que estamos em guerra.
Viemos 7 para cá com os da Intendência, somos 25 ao todo e a comida para tão pouca gente é boa, não pense que é mentira o que estou a dizer, é a pura verdade, só visto, eu fiquei pasmado só em ver a malta sair da caserna em fato de banho, é como estivessem em férias, todas as semanas fazemos um transporte, os da Intendência carregam os carros, a malta leva a mercadoria torna a vir, e só na próxima semana é que se torne a ir.
Aqui em Angola as Compª Transportes são conhecidas em qualquer lado, são uns autênticos senhores, no "Grafanil" é pior pois durante todos os dias andam sempre dum lado para o outro com os carros.
Para já é só isto que tenho para lhes contar a respeito da minha estadia por Angola, é muito diferente do que se pensa aí, isto está muito bom, é claro que também morre gente, ainda em antes de vir para cá morreu um condutor, mas morreu de acidente, espetou-se com uma camioneta, em face da velocidade com que andam quando se espetam não tem safa, até porque as baixas normalmente nos transportes são sempre por acidente, embora pareça mentira, são uns autênticos loucos.
O meu S.P.M: agora é o 3516.
Por hoje é tudo, beijos para o Henrique, Luisa, Zé Manuel e para vós
Saudades do
Mário
P.S. Amanhã vou numa coluna para "Bessa Monteiro"
Mário Luís G. Bastos
1º cabo 03829567
S.P.M: 3516

3 comentários:

  1. Emocionei-me. Acho muito bom a publicaçao das cartas do nosso IRMAO MARIO que combateu numa guerra que nada tinha a defender. Hoje analisando friamente o que passou o nosso irmao, tanto em Portugal, nos quarteis de merda, com oficiais da merda, alguns deles que chegaram a generais da merda, de que tudo sabem mas que não deixam de ser burros, pergunto-me. Para que foi o meu Irmao mais velho para a guerra no "dito Ultramar Português". Para defender as propriedades dos paisinhos dos Socrates, Sousas Tavares, Marios Soares e para defender os costados das "meninas" Cinhas Jardins e alguma coisa que andava sobre duas patas mas que nem era homem nem sabia se era mulher como Carlos Castros e outros que se pavoneavam nos cafes como "amibas" e "bichas" nas cidades construidas nessas ditas provincias com o sacrificio dos nossos pais e de outros pais que mandavam os seus filhos para uma guerra sem se compreender porque existia. Tal como antigamente hoje infelizmente continuamos a ter os ditos Generais de que tudo sabem "até de bombas nucleares percebem apesar de nunca terem visto uma ser fabricada, nem nunca terem estado numa situação de combate real nas ditas colonias Portuguesas, pois na guerra tiravam os galoes no mato e nos quarteis davam participaçoes aos que lhe salvavam o "coiro". Quando havia ataques dos ditos "turras" que não deixavam de ser os verdadeiros donos da terra, pergunto-me? "O que terão sofrido os nossos pais por terem sido obrigados a mandar um filho para uma Guerra que nunca chegaram a compreender a sua existencia" Felizmente o meu irmao Mario não "pereceu" nessa guerra, mas muitos jovens da geração dele não tiveram essa sorte. Acho que não é com Monumentos (onde 60% dos mortos são praças (soldaos) e muito poucos ou nenhuns oficiais e os que morreram, são a sua grande maioria contratados (alferes e tenentes) Pergunto?
    Afinal onde estao os verdadeiros herois da Guerra do "ULTRAMAR"? Naqueles que fizeram a Guerra nas Cidades das ditas provincias Ultramarinas Portuguesas e que foram sendo promovidos aos postos maximos das suas classes sem nunca terem ouvido um unico tiro sem ser na "carreira de tiro" e que hoje ostentam medalhas de bravura por feitos que nunca fizeram? Ou serão aqueles que medalhas não têm, mas que se bateram lealmente, valentemente, numa guerra que não era para defender terreno Patrio mas que deram o seu melhor? Nunca se vai conseguir apaziguar as feridas de uma geração nem dos traumas que as familias sofreram. Não é com subsidios de miseria (que alguns partidozitos) pretendem dar aos ex COMBATENTES que se resolve a situação, é preciso pedir desculpa aos que lá bateram com o "costado" mas tambem é preciso pedir desculpa a todos os familiares dos que lá andaram numa Guerra, onde só alguns tiraram dividendos.
    A ti Mario só tenho a afirmar uma coisa.
    "FIZESTE UMA GUERRA QUE NÃO ERA TUA, NEM ERA PARA DEFENDER ALGO QUE FOSSE DA NOSSA FAMILIA, POR ACASO ESSA GUERRA ACABOU EM 1974, MAS POSSO GARANTIR QUE TUDO ESTAVA PREPARADO PARA QUE EU NAO FOSSE PARA ELA" Cumpri o Serviço Militar aqui em Portugal, e se necessário ate me sacrifico por defender este rectangulo à beira mar, mas o nosso "velhote" nunca mais ia mandar nenhum filho para o Ultramar.
    Do segundo Irmao de uma familia de quatro.
    Zé Manel

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  2. Muito Obrigado pelo teu comentário, nem sabes o quanto me agrada que estejas de acordo com este blogue com o qual pretendo simplesmente honrar o nome do nosso irmão e ao mesmo tempo desta forma prestar homenagem a todos os "rapazes" como ele os chama que foram chamados para combater por terras de Ultramar.
    A nossa mãe guardou estas cartas até aos seus ultimos dias, muitas vezes a ví a reler estas cartas já o nosso irmão estava cá em Portugal há muitos anos, agora compreendo e pergunto-me o quanto sofrimento, angustia e saudades os nossos país não sofreram por saberem que o seu filho estava numa terra distante e em guerra. Porque se guarda estas cartas, quantas lágrimas viram elas dos nossos pais, quantas tardes de angustia, manhãs de saudades e desepero por não poderem ter o seu filho (nosso irmão) ao lados de todos nós.
    Depois do falecimento da nossa mãe, a Luisa nas arrumações guardou-as e uns tempos depois de as ter lido ofereceu-mas. Eu fiquei com elas fiz uma pasta onde estão arquivadas cronológicamente, e depois de muito ponderar (de 2003 a 2008)se devia publica-las decidi avançar par este blogue onde irei transcrever toda a correspondência que a nossa mãe guardou enviada pelo nosso irmão quando esteve em Angola.
    Não sei se ele já viu, nem tão pouco se vai gostar, sabes melhor do que eu como ele é, mas espero que ele se um dia vir isto goste e que fique orgulhoso desta minha pequena homenagem, que tem como unico objectivo demosntrar o quanto orgulho tenho nele, e o quanto goste dele e de vós todos que sois sangue do meu sangue.
    Obrigado pelo teu apoio
    Um forte abraço
    Teu irmão
    Henrique Soares

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  3. Acho que fazes bem publicar as Cartas, tambem sei que se calhar o Mario não vai gostar, pois como tu sabes vai reviver memorias que estão lá no fundo e que basta algumas palavras para aquilo saltar logo cá para cima. Mas como o nosso irmão é Inteligente, depressa vai aceitar e se calhar até dar algum contributo para este Blogge. Isto faz parte da Historia da nossa Familia, que muito deve ter sofrido (Pai e Mãe) por ter um filho longe e numa Guerra. Sabes eles sabiam, isso é que os angustiava, de que ele podia morrer, mas mais do que tudo é que tinham mais 2 rapazes que os senhores daquele tempo já estavam a contar com eles para continuar a ter previlégios e manter uma Guerra que era mais deles (pois eram eles que la tinham interesses) do que das Maes e pais deste País. Se ainda a guerra fosse neste Portugal ainda podia desculpar. Assim acho que muitas familias nunca irao perdoar, pois os cemiterios têm os corpos ou os ossos dos que lá pareceram, e os Hospitais continuam a ter os estropiados, os que têm traumas e outras doenças que de lá trouxeram. Por isso digo, podem estes politicozinhos (filhos e seguidores fieis dos que lá tinham interesses) dizer o que quiserem, dar os Subsidios, medicamentos de borla aos ex COMBATENTES e outras benesses, que nunca vão conseguir dar a Paz e o bem estar, nem tirar as recordaçoes dos horrores de muitas familias dos que tiveram filhos no "dito Ex Ultramar" Português.
    Teu Irmao
    Zé Manel

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