terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Ambrizete 2-2-1968

Meus queridos pais:

Espero que ao receberem estas minhas linhas se encontrem de saúde, que eu bem.
Foi com alegria que recebí a vossa carta, no entanto escusam de estar preocupados pois isto cá em Angola não é tão mau como aí dizem.
"Ambrizete" não é um acampamento é uma vila, pode-se ir à praia como aí se vai, não é preciso andar armado, nada disto aqui lembra que à guerra, só se torna perigoso quando se vai para o mato, mas nós só fazemos 2 saídas por semana, uma para "Tomboco" e outra a "Bessa Monteiro", para "Tomboco" não á perigo, nunca nenhuma coluna foi atacada, para "Bessa Monteiro" é que é pior, mas nós os condutores especialmente os dos transportes nem sequer pensamos nos tiros, nem vale a pena, primeiro porque a arma que nos dão é uma Mauser que só leva 5 tiros, em segunda porque temos de ir com atenção á picada, que não é nenhuma auto-estrada, é só buracos, lama e mato á volta, só quem anda no carro como nós é que sabe quanto custa, basta dizer que qualquer destas saídas não ultrapassa os 120 kms e o melhor tempo que se pode fazer são 12 horas, mas para fazer este tempo é preciso a viagem correr muito bem. Normalmente demora-se 20 a 40 horas.
Mas o que é preciso é ter calma, voçês aí estão enganados a respeito de Angola aqui não se anda aos tiros, por exemplo "Ambrizete", está-se tão seguro em "Ambrizete" como no Porto, talvez ainda mais, pois não à tanto movimento de carros, já pensaram bem ser preciso ir para a praia armado, estão enganados a respeito disto.
Tive conveniência em trocar pois cá não temos formaturas somos 7 mais um furriel, estamos juntos com os da Intendência, que são os homens dos abastecimentos, portanto comemos do melhor, não temos problemas, ao todo somos 29, não quer dizer que sejámos as unicas tropas à cá mais, o que está é tudo separado, onde estou nada lembra um quartel não há clarim nem dispensas, não à nervos, trabalhámos nos carros, saimos quando à serviço, e pronto é uma vida em familia.
Depois quando vamos fazer transportes, lá nos orientámos, não digo como mas basta deduzir, se não acontecer nada conto levar umas massas boas, no domingo sai para "Tomboco" e ganhei 560.00 escudos, cada qual faz o que pode.
Quanto à vinda do Sr. Milheiro, terei muito prazer em o cumprimentar, mas não preciso de nada, pois não falta massa.
Junto envio duas fotografias tiradas no barco.
Beijinhos para o Riquinho, Zé manuel, Luisa, saudades para todos.

Mário
N.B. Parto hoje para Bessa Monteiro
Mande-me a direcção da avô

2 comentários:

  1. Mais uma carta, que li com toda a atenção. Não me canso de as reler e de cada vez que as leio continuo a ficar emocionado. Imagino as saudades do Mario, o estar longe dos Pais e Irmãos e imagino a angustia que tinha pois nunca sabia se voltava ou não. lembro-me de a Mae e o Pai andarem tristas por terem um filho na Guerra, mas estoicamente aguentaram. Felizmente o nosso irmão não morreu numa guerra que não era da nossa familia, nem era para defender solo Patrio, mas sim para defender interesses de alguns senhores da "altura" acho que eram os pais os Tios e outros familiares dos que actualmente nos governam. As familias que muitos interesses tinham nesses Paises onde grassava a guerra nunca tiveram a angustia dos nossos pais, pois os filhos deles nunca faziam a guerra, iam para o Estrangeiro, (França), como foi um celebre Politico Portugues, que a familia enviou para França mas para fugir á guerra dizendo que foi deportado. Esqueceu-se essa familia de explicar ao Povo Portugues que naquele tempo os deportados iam para "Caxias" "Tarrafal" ou muitas das outras prisões que existiam na altura. O que a familia desse douto politico fez foi fazer com que ele fugi-se a uma guerra para não sofrer em silencio o que sofreram os nossos pais.
    Continua a publicar as cartas do nosso irmão pois são um testemunho do muito sofrimento que as familias dos que la foram parar sofreram e talvez abra os olhos ao povo para poderem tirar ilaçoes de quem esta no poder. É só fazer as contas na questão da idade e tentar confirmar junto dos Ex combatentes quem andou nessas guerras.
    Teu Irmão Zé manel

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  2. Meu Irmão.
    Este é um trabalho que pretendo levar até ao fim.
    Como já expliquei irei publicar as cartas cronológicamente, mas com mais de 40 anos a separá-las no tempo. Ao contrário de tí recordo pouca coisa destes tempos pois na altura era ainda muito pequeno. Do que me lembro bem é de ver os nossos pais "presos" á televisão na altura em que as tropas vinham dar os votos de boas festas e ainda hoje me lembro da frase "adeus até ao meu regresso".
    Que fez o nosso país por todas aquelas familias que sofreram em silêncio a ausência de um familiar querido, que acompanhamento psicológico tivemos nós, irmãos mais novos que nos vimos privados do nosso irmão mais velho.
    Para mim que era ainda pequeno foi esquesito, mas para ti que eras mais "velhinho" do que nós deve ter sido muito dificil.
    Ninguêm nos ajudou, ninguêm nos procurou, tivemos de nos remediar com o apoio dos nossos pais que como tu disseste e muito bem aguentaram estoicamente e tudo fizeram para que a gente pouco se apercebesse deste trauma.
    Poucas vezes falei com eles sobre este assunto, mas só o facto de estas cartas terem-se preservado no tempo, significa que o sofrimento dos nossos pais foi muito grande e que se prolongou durante todos os anos das vidas deles.
    Por eles também eu publico isto e presto aqui e desta forma a minha homenagem ao grande Amor que eles tinham por todos nós.
    Um abraço
    teu irmão
    Henrique Soares

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