segunda-feira, 18 de julho de 2011

Serpa Pinto 18-07-1969

"Das Terras do Fim do Mundo"

Escreve: Mário

Queridos Pais:

Espero que ao receberem esta minha carta, se encontrem de óptima saúde que eu felizmente bem.
Como podem verificar ainda me encontro no "Cuando Cubango" sem saber a data em que regresso a Luanda. A nossa rendição é difícil pois além da distância a que nos encontramos de Luanda, há também o problema dos tipos que se encontram na companhia que andam de volta do capitão a pedir para não virem para cá, pois têm medo.
Quanto ao ter cuidado não adianta, pois nunca se sabe quando parte o primeiro tiro nem a quem é dirigido, e o mal é que o primeiro nunca falha. A única coisa a fazer é encarar esta coisa com a maior descontracção e nunca pensar que podemos morrer a seguir. Pela minha parte creio que não nasci para morrer cá e portanto não ligo nenhuma a isto, limito-me a deixar correr o tempo.
Os meses da pensão que estão em atraso, creio que estão cancelados enquanto o auto não for resolvido. Nós cá recebemos 150$00 de subvenção de campanha e este mês não nos pagaram, não consigo perceber as contas destes tipos, vamos a ver se pagam para o próximo mês.
O meu auto nada posso fazer pois tem de seguir a burocracia.
O mês passado, um colega quando seguia de Luanda para Úcua com maçaricos que tinham chegado da Metrópole, virou o mesmo e matou 3 furrieis e 20 e tal feridos. Como vêem uma pessoa para ter complicações tanto faz Luanda como aqui.
Por cá, e nesta zona estamos na época do frio mas só de noite pois de dia faz um calor dos diabos. De noite durmo com três mantas. É um clima levado dos diabos e que dá cabo da saúde.
Acho que a carta que escrevi á mãe não era nada lacónico, só que não tenho culpa que o pai não perceba. Também lhe digo que nunca me pediram nada e se ás vezes mando alguma coisa é porque quero pois como não tenho feitio para guardar dinheiro, mando para a mãe comprar alguma coisa que precise.
Simplesmente acho que o pai não se deve opor a que a mãe compre pulseiras ou qualquer outra coisa, pois eu quando lhe mando dinheiro é que digo que o mesmo é para comprar tal coisa e portanto não é a mãe que compra de livre vontade, pois ela simplesmente se limita a comprar o que eu digo.
Beijos para os meninos e para os pais
Mário
  

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